Política

EXCLUSIVO: banditismo, chantagem, pistolagem e outros detalhes macabros no caso das rachadinhas em Ubatuba

Investigação jornalística conduzida pelo portal T7News descobre histórias ainda mais apavorantes envolvendo a disputa de poder em Ubatuba

Marcos Limão | Data: 04/09/2023 16:28

O portal T7News publicou no dia 29/08/2023 reportagem exclusiva narrando, com riqueza de detalhes, o caso envolvendo o assassinato do motorista de aplicativo Willian Germano, que foi torturado antes de ser morto e encontrado às margens da Rodovia BR 101, na altura do Km 42+500, em meio ao matagal, ao lado do acostamento da pista, amordaçado, com os olhos vendados e com mãos e pés amarrados com fita adesiva e a cabeça dilacerada.

Os fatos, por si só, demonstram que não se trata de um crime comum: há indícios que ligam o assassinato com as denúncias de desvio de recursos públicos (esquema de “rachadinha”) e a disputa de poder em Ubatuba. 

Willian deixou esposa e três filhos, com idades entre 7 a 14 anos.

Na manhã de 31/08/2023, a Polícia Civil e o Ministério Público desembarcaram em Ubatuba para cumprir 14 mandados de busca e apreensão na esteira da OPERAÇÃO CORVÊIA, com o objetivo de aprofundar as investigações de diversos crimes supostamente envolvendo três vereadores - Josué D'Menor (Avante), Júnior Jr (Podemos) e Eugênio Zwibelberg (União Brasil), o atual presidente da Câmara Municipal. 

Os agentes foram na residência dos investigados e na sede do poder Legislativo, que ficou completamente fechada para o público até por volta das 10h. E, pela primeira vez na história de Ubatuba, a Mesa Diretora da Câmara Municipal perdeu três dos seus cinco integrantes.

Por ordem da Justiça, os vereadores D’Menor, Júnior Jr e Eugênio Zwibelberg foram suspensos das funções, proibidos de frequentar a Câmara Municipal e impedidos de manter contato com qualquer pessoa que tenha relação direta ou indireta com as investigações.

A palavra CORVÊIA vem do latim corrogare e significa a prestação de serviços que os servos eram obrigados a oferecer aos senhores feudais para a manutenção da propriedade.

Enquanto os fatos continuam sob averiguação sigilosa da Polícia Civil e do Ministério Público de São Paulo, por intermédio do GAECO (Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado - Núcleo Vale do Paraíba), a investigação jornalística conduzida pelo portal T7News descobre histórias ainda mais macabras envolvendo a disputa de poder em Ubatuba.

Para entender o caso, é necessário retroceder um pouco, mais especificamente à noite de 13/11/2020: faltando cerca de 36 horas para o início do processo de votação das eleições municipais de 2020, o Tribunal Regional Eleitoral de SP (TRE/SP) julgou procedente os recursos eleitorais interpostos pelas coligações “A MUDANÇA TEM NOME” e “UBATUBA PEDE SOCORRO” e indeferiu o registro de candidatura do então candidato Délcio Sato, que despontava como o vencedor do pleito.

O registro da candidatura foi indeferido nos autos 0600189-52.2020.6.26.0144 por pedido dos adversários do candidato Délcio Sato que contestavam o registro da candidatura com base na rejeição das contas na execução do Termo de Compromisso 792792/2013-SP, no convênio firmado pela Prefeitura de Ubatuba e a União por intermédio do Ministério das Cidades. 

Assim, entendeu o TRE/SP que as irregularidades apontadas na rejeição das contas eram insanáveis e configuravam ato doloso de improbidade administrativa, apto a atrair a inelegibilidade prevista na alínea “g”, do inciso I, artigo 1º, da LC 64/90.

O indeferimento do registro da candidatura de Délcio Sato garantiu a vitória da então candidato Flávia Pascoal, eleita em 2020 pelo Partido Liberal (PL) com 14.222 votos (31,37% dos votos válidos). O segundo colocado, Délcio Sato, recebeu 13.466 votos (29,70% dos votos válidos).

A reviravolta nas eleições municipais prenunciou período estranho e turbulento na política em Ubatuba. 

Dias após proclamado o resultado eleitoral, seis dos dez vereadores recém-eleitos foram até a sede da Câmara Municipal e tiraram uma foto junto à Mesa Diretora indicando que eles estariam no controle do poder Legislativo a partir de então: Josué D'Menor, Júnior Jr, Eugênio Zwibelberg, Jorge Ribeiro e Edelson Fernandes.

Assim que teve início o novo mandato da prefeita e dos vereadores, houve eleição para a Mesa Diretora e, novamente, fatos bizarros começaram a ser registrados: em janeiro de 2021, os vereadores elegeram os membros da Mesa Diretora da Câmara Municipal até o final de 2024, em um evento absolutamente anômalo para qualquer poder Legislativo de qualquer cidade.

Assim, os vereadores fizeram eleição para a Mesa Diretora para os próximos quatro anos: para o biênio de 2021/2022, foi eleito o Vereador Jorge Ribeiro para a Presidência do Legislativo; para o biênio de 2023/2024, o vereador Eugênio Zwibelberg.

Tido como “zebra” das Eleições de 2020 e sem a maioria dos vereadores na base de apoio do poder Legislativo, Flávia Pascoal assumiu a Prefeitura de Ubatuba e acomodou as forças políticas para garantir a governabilidade, garantindo aos vereadores de oposição indicações de cargos e demais benesses do poder.

O primeiro biênio passou com os conflitos e tensões de praxe. Enquanto isso, com o próximo mandato na Presidência das Câmara Municipal garantido pela eleição antecipada, o vereador Eugênio Zwibelberg anunciava seu agressivo projeto de poder: não escondia a vontade de cassar o mandato de Flávia Pascoal e, ainda, se tornar prefeito da cidade.

Em março de 2023, já como presidente do Legislativo, a sede de poder de Eugênio Zwibelberg encontrou água limpa em uma postagem na rede social Facebook, feita por uma servidora municipal, mostrando pães da empresa Pascopan que haviam acabado de chegar à unidade de ensino.

A empresa fornecedora dos pães pertence à família da prefeita Flávia Pascoal, o que deu ensejo à Comissão Processante, instaurada em março de 2023 na Câmara Municipal. Para surpresa do destino, foram sorteados para compor a Comissão Processante os vereadores Júnior Jr (Podemos) e Eugênio Zwibelberg (União Brasil) e Rogério Frediani (PL).

Com o início dos trabalhos da Comissão Processante, visando anular os vereadores, a prefeita Flávia Pascoal exonerou 34 (trinta e quatro) servidores comissionados ligado aos vereadores e foi até a Delegacia Especializada da Polícia Civil em Investigação de Crimes Contra a Administração Pública em SP formalizar acusações de desvio de recursos públicos mediante esquema de “rachadinha”, ameaças, entre outros crimes, contra os vereadores D’Menor (Avante), Júnior Jr (Podemos) e Eugênio Zwibelberg (União Brasil), citados nominalmente no depoimento.

A ofensiva, porém, surtiu o efeito inesperado: promoveu a coesão do grupo de sete vereadores que garantiu a cassação do mandato da prefeita: os seis vereadores que tiraram a foto junto à Mesa Diretora em 2020, logo após as eleições, mais o vereador Adão Pereira, que havia se desentendido com a prefeita no curso do mandato.

Assim, em maio de 2023, a Câmara Municipal de Ubatuba decidiu cassar, por 7 votos contra 3, o mandato da prefeita da Flávia Pascoal pelos escândalos dos pães, embora a assessoria jurídica da prefeita defenda a lisura no procedimento e tente, até hoje, reaver o mandato na Justiça. 

Certo é que os fatos revelados na Operação Corvêia acabam por robustecer as teses que são defendidas pelos advogados da prefeita no Tribunal de Justiça de SP para tentar reconduzir Flávia Pascoal ao cargo de prefeita, notadamente a ausência de justa causa para a cassação proveniente de perseguição política.

Junto ao Tribunal de Justiça, os defensores da prefeita advogam pela tese de que não existe irregularidade na licitação dos pães e que Flávia Pascoal teria sido cassada pela Câmara Municipal por ter combatido atos de corrupção e desvio de verba pública, citando o caso das rachadinhas, mencionando expressamente os vereadores D’Menor (Avante), Júnior Jr (Podemos) e Eugênio Zwibelberg (União Brasil) - e relatando que o esquema teria voltado a funcionar após a cassação da prefeita. 

O caso, entretanto, não se resume a chantagens e acusações mútuas entre aqueles que disputam o poder em Ubatuba. As investigações da polícia revelaram ainda episódios macabros, como a contratação, por parte do vereador Eugênio Zwibelberg, de pistoleiros para assassinar o advogado Marcelo Mourão, com quem manteve relações profissionais pretéritas, pelo fato de o advogado estar por trás das investigações.

Segundo apurou a reportagem, existe prova material do plano macabro: gravação do diálogo entre o vereador e os pistoleiros tratando do assunto, cujo diálogo teria ocorrido no dia em que as partes estavam dentro do carro, indo para casa da vítima para que o vereador mostrasse aos pistoleiros o local da residência da vítima, além de outras provas (outros áudios e vídeos) que confirmam o plano macabro.

Mas não é só. As investigações da polícia mostram também que o vereador D’ Menor teria mantido em cárcere privado a mulher que lhe devida dinheiro por ocasião do esquema da rachadinha. Após assinar o contrato de rescisão na prefeitura, a mulher teria sido sequestrada e mantida em cárcere privado, em um local com pessoas armadas, até que seus familiares arrumassem o valor correspondente ao débito de três meses de rachadinha. A mulher teria sido liberada após o pagamento.

Em relato para a Polícia Civil, a prefeita Flávia Pascoal revelou banditismo praticado no município pelo vereador D’Menor: acusa-o de andar armado por Ubatuba, na companhia de um policial rodoviário aposentado, intimidando servidores públicos que tomavam atitudes contrárias aos interesses do vereador.

Noutro momento, relatou que o vereador D’Menor atravessou seu carro na frente do caminhão de massa asfáltica da prefeitura e, então, passou a intimidar os servidores municiais e a exigir que o material fosse enviado ao seu reduto eleitoral. Além disso, informou às autoridades que o vereador “por diversas vezes dirigiu-se até a Prefeitura sempre ostentando arma de fogo”.

A investigação do esquema da rachadinha em Ubatuba tem demonstrado que o caso é tão disseminado na cidade, a ponto de existirem modalidades de rachadinhas em Ubatuba: enquanto umas pessoas repassam mês a mês a parte do salário para o vereador responsável pela indicação, outras são obrigadas a contrair empréstimo bancário para repassar o valor correspondente a um ano de contratação, antecipando a rachadinha por 12 meses.

O plano do assassinato de Marcelo Mourão - comprovado por áudios e vídeos e pelo relato dos próprios pistoleiros - ascendeu o sinal de alerta nas autoridades policiais e estabeleceu o regime de parceria e cooperação entre a Delegacia de SP especializada em crimes contra a Administração Pública e o GAECO - Núcleo Vale do Paraíba, o grupo de elite do Ministério Público.

Já o assassinato de Willian Germano continua em apuração. No dia 29/08/2023, um jovem de 19 anos se apresentou espontaneamente na delegacia para assumir a autoria do assassinato, embora o relato tenha sido colhido com ceticismo pelas autoridades policiais, porque duas pessoas estão presas por fortes indícios na participação do evento, sendo Diego Felipe da Silva Messias Moraes (vulgo Pé) e Celio Pereira Santos Júnior. 

Antes do assassinato, a vítima William e sua esposa Raíssa registraram Boletim de Ocorrência por terem sido ameaçados por Diego, pelo fato de serem os denunciantes do esquema de rachadinha que envolveria o vereador Júnior Jr; na cena do crime, foram encontradas as digitais de Célio no frasco de perfume e no veículo da vítima. 

Após a prisão de Diego em Guarulhos, este indicou Eduardo César, advogado e ex-prefeito de Ubatuba, como seu advogado, que compareceu ao local e acompanhou os atos na delegacia e a audiência de custódia, no dia seguinte, na Justiça. 

A proximidade política de Eduardo César com o vereador Júnior Jr chamou a atenção das pessoas que acompanham os desdobramentos do caso. O vereador Júnior Jr chegou a exercer a função de Secretário de Obras e Serviços Públicos durante a gestão do então prefeito Eduardo César

Procurado pela reportagem do portal T7NEWS, o ex-prefeito e advogado Eduardo César refutou veementemente qualquer envolvimento com os investigados, exceto na prestação de serviço como advogado, pontualmente, durante a prisão de Diego, citando inclusive que era advogado da vítima William em uma demanda trabalhista.

A entrevista concedida por EDUARDO CÉSAR ao portal T7 News causou espécie em Ubatuba pelo fato de serem notórios os laços políticos dele com o vereador Júnior Jr, rendendo inclusive discussão em um grupo de WhatsApp composto por advogados da cidade. 

No dia 08/04/2023, por exemplo, Eduardo César, embora filiado ao partido Republicanos, teve participação de destaque no 1º Encontro Municipal do Podemos em Ubatuba, partido presidido pelo vereador Júnior Jr.

Em uma das fotos do evento, Júnior Jr aparece ao lado de dois funcionários comissionados da Câmara Municipal de Ubatuba que teriam sido indicados Eduardo César para a função, entre eles a própria filha do ex-prefeito e advogado acionado por Diego no momento da prisão pela polícia em Guarulhos.

Seja como for, certo é que as investigações estão longe do fim. No clima de “salve-se quem puder”, o futuro ainda reserva muitas surpresas para Ubatuba.

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