EXCLUSIVO 3: Guerra declarada no sistema Unimed
Isolada e sem saída, Unimed de Taubaté acusa a Unimed do Estado de SP e a Unimed do Vale do Paraíba de agirem politicamente com intenção de prejudicá-la
O colapso administrativo e financeiro envolvendo a Unimed de Taubaté atingiu seu ápice em junho de 2023 com a decisão da 2º Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de SP de suspender o processo de recuperação judicial da Unimed de Taubaté em trâmite na 2ª Vara Regional de Competência Empresarial e de Conflitos Relacionados à Arbitragem.
A ação de recuperação judicial é tida como fundamental pela Unimed de Taubaté manter-se em funcionamento, uma vez que a própria cooperativa informa no processo que a situação “é crítica, razão pela qual busca o Judiciário para, através do remédio legal da Recuperação Judicial, estabilizar a situação financeira com a suspensão dos bloqueios”, contudo, foi paralisada pelo TJSP.
Se o futuro está incerto, o passado conflituoso está registrado nas folhas dos processos judiciais em curso e nos findos: isolada e sem alternativas para conter a crise, a Unimed de Taubaté acusa a Unimed do Estado de SP (Federação Estadual das Cooperativas Médicas - FESP) e a Unimed do Vale do Paraíba de agirem politicamente com intenção de “prejudicar” Taubaté.
A acusação de “cunho político” nas medidas adotados pelas demais entidades que compõem o sistema Unimed consta nos autos do processo de recuperação judicial paralisado pelo TJSP. Nesse processo, a Unimed Taubaté acusa as demais cooperativas de agirem administrativamente e politicamente para elimina-la do sistema Unimed.
Apesar de ter se tornado a persona no grata no sistema Unimed pela sequência de atos e decisões administrativas que podem configurar gestão temerária, a Unimed de Taubaté se apresenta como vítima no processo, acusando a FESP e a ANS de agirem em conluio para prejudicá-la.
Neste histórico de notícias ruim envolvendo a Unimed Taubaté no âmbito da ANS, tem-se duas intervenções, o descumprimento do plano de saneamento apresentado à ANS que visava impedir a insolvência da cooperativa, a instauração do regime de direção fiscal por parte da ANS (que poderá resultar em alienação da carteira da operadora ou a liquidação extrajudicial da cooperativa), a proibição de comercializar novos planos e a concessão ao direito à portabilidade especial os usuários do plano de saúde.
Considerando se tratar de um sistema integrado entre as cooperativas, o que possibilita o usuário da Unimed de Taubaté ser atendido em outras cidades, portanto, com possibilidade de danos em efeito dominó, os integrantes do sistema Unimed deram início ao processo de expurgo da “irmã feia” do sistema: a movimentação mais drástica foi a cessão da área de ação da Unimed de Taubaté para a Unimed de Caçapava, ou seja, Caçapava está autorizada a operar no espaço destinado a Taubaté por ordem da Unimed de SP.
A área de abrangência das Unimed de Taubaté envolve as cidades de Natividade da Serra, Redenção da Serra, São Luiz do Paraitinga, Taubaté e Tremembé. São cerca de 11 mil clientes, mais aproximadamente 10 usuários da Unimed Brasil.
Por outro lado, a Unimed de Taubaté acusa a Unimed de SP e a Unimed do Vale do Paraíba de “atos administrativos ilegais e desproporcionai tendo como objetivo principal, prejudicar exclusivamente a Recuperanda [Unimed de Taubaté], sem qualquer fundamento, uma vez que Unimed de Taubaté mantém a prestação dos serviços de assistência em máxima excelência”.
Mas, para entender todo o cenário, é preciso voltar um pouco no tempo, mais precisamente no dia 27 de abril de 2023, uma quinta-feira.
Às 15h13, a Unimed de Taubaté ajuizou tutela cautelar antecedente preparatória ao pedido de recuperação judicial, tendo o processo sido distribuído por sorteio e caído na 3ª Vara Cível.
O processo judicial é um escândalo em si.
Nele, a Unimed de Taubaté tentou, na surdina, inclusive com pedido de processamento em segredo de Justiça, obter decisão em sede de tutela antecipada (ou seja, decisão judicial concedida antecipadamente no processo, sem direito à manifestação das partes atingidas pela medida) para: (a) suspender a constrição de bens por parte de seus credores; (b) suspender a procedimento de alienação da carteira e da portabilidade especial concedida aos usuários do plano de saúde pela Agência Nacional de Saúde; (c) impedir a realização de intercâmbio pelos clientes da Unimed de Taubaté, que é a possibilidade de os usuários serem atendidos em outras cidades abrangidas por outras Unimeds tendo em vista a dificuldade de acessar os serviços em Taubaté; (d) suspender os efeitos do inadimplemento da Unimed de Taubaté com seus credores e qualquer tipo de sanção ou compensação contratual; (e) restituído todo e qualquer valor que os credores eventualmente tiverem compensado ou retido.
É claro que a iniciativa não deu certo.
Ao indeferir a decisão liminar, a 3ª Vara Cível de Taubaté consignou que “não se vislumbra circunstância excepcional a autorizar o deferimento da tutela cautelar antecedente de tamanha magnitude, com suspensão, inclusive, de procedimento extrajudicial já instaurado há significativo tempo na ANS. Não há margem para deferimento de tutela de urgência, como postulada”.
Além disso, a 3ª Vara Cível de Taubaté indeferiu a tramitação em segredo de justiça, fazendo constar que “a publicidade do processo é ainda mais exigida em função de sua natureza, da repercussão que o pedido de recuperação judicial tem no âmbito das várias negociações com terceiros. Quanto maior a publicidade conferida aos atos, melhor se terá atendido o propósito da ação”.
Decidiu ainda reajustar o valor da causa, passando de R$ 100 mil para R$ 19 milhões, que é valor do passivo declarado na ação. Ou seja, se a Unimed quisesse prosseguir com a aventura jurídica deveria recolher taxa judiciária complementar, a título de custas, processuais no valor de R$ 101.780,00.
Por fim, a 3ª Vara Cível de Taubaté ainda decidiu pela inadequação da via eleita (ausência de interesse processual) pelo fato de cooperativa médica não estar sujeita às regras próprias da recuperação judicial e falência.
Após isso, a Unimed de Taubaté recorreu da decisão exarada pela Justiça de Taubaté, mas acabou apresentado pedido de desistência da ação na 3ª Vara Cível, em 16/05/2023, durante a tramitação do recurso, tendo em vista a decisão desfavorável da Justiça de Taubaté e o parecer do Ministério Público contra a incidência da Lei de Responsabilidade Fiscal para a cooperativa médica.
Entretanto, antes mesmo de ter sido baixa em definitivo no pedido de desistência, a Unimed de Taubaté entrou com a ação de recuperação judicial formulando os mesmos pedidos que haviam sido rechaçados pela 3ª Vara Cível.
Para o azar da Unimed de Taubaté, o novo processo foi distribuído por sorteio e novamente caiu na 3ª Vara Cível, que, desta vez, declinou da competência em razão a natureza do processo, tendo sido remetido para a 2ª Vara Regional de Competência Empresarial e de Conflitos Relacionados à Arbitragem.
Neste novo processo, a Unimed do Brasil, a Unimed de São Paulo e a Unimed do Vale do Paraíba, ingressaram nos autos para defender a tese de não incidência da Lei de Recuperação Judicial às cooperativas médicas, colidindo frontalmente com os interesses da Unimed de Taubaté.
Os integrantes do sistema Unimed ainda acusam Taubaté de terem omitido nos autos a instauração do regime de direção fiscal por parte da ANS que poderá resultar em alienação da carteira da operadora ou a liquidação extrajudicial da cooperativa.
Eles defenderam expressamente que o processamento da recuperação judicial à Unimed de Taubaté implica riscos graves ao mercado de saúde suplementar e que isso represente o afastamento da competência da ANS acerca da regulação das atividades, dos aspectos econômico-financeiro e do direcionamento dos usuários a fim de evitar a desassistência. E mais: acusaram a Unimed de Taubaté de querer se eximir de suas responsabilidades e das sanções administrativas e de querer imputar a outras operadoras a responsabilidade pelo atendimento de seus usuários, sem qualquer garantia de contrapartida para as outras cooperativas.
Como se não bastasse, os integrantes do sistema Unimed defendem ainda a condenação da Unimed de Taubaté por litigância de má-fé por se comportar “de forma improba, utilizando o processo de forma indevida” pelo fato de terem reproduzidos, neste novo processo, os mesmos pedidos que haviam sido rechaçados na ação anterior.