Região

Entidade acusa Taubaté Country Club de "atos discriminatórios e racistas" ao cadastrar expositores para feira

Após denuncia, clube decide alterar regulamento

Rodrigo Bustamante | Data: 22/11/2023 16:44

A realização de uma feira nas dependências do Taubaté Country Club gerou à entidade uma acusação de ato discriminatório e racista.

O caso veio à tona após publicação de uma nota de repúdio do Fórum de Igualdade Racial de Taubaté na tarde de segunda-feira, 20.

Segundo o documento, a ilegalidade foi praticada pelo clube taubateano na imposição de pré-requisitos para expositores que desejam participar da 1ª Feira de produtos naturais e economia criativa.

No edital de chamamento e regulamento da feira, no primeiro item do capítulo que trata sobre a organização do evento “para a manutenção de um ambiente harmônico e agradável para todos os participantes e associados(as), informamos que não será permitido, em hipótese alguma, a utilização de bandeiras, bonés, camisetas, faixas, ou qualquer tipo de acessório que faça menção: a) partidos políticos; b) religiões diversas; c) movimentos sociais considerados representantes de minorias ou de parcela social menos favorecida; d) excesso de visibilidade para possíveis patrocinadores ou marcas que não estejam representadas no grupo de participantes expositores autorizados para o evento”.

De acordo com a nota publicada pelo Fórum de Igualdade Racial de Taubaté “a cidade de Taubaté/SP enfrenta um histórico triste de discriminação e racismo, desde os tempos coloniais até a contemporaneidade, marginalizando grupos étnicos específicos, em especial afrodescendente. O Taubaté Country Club possui em sua história de existência a perpetuação de ações excludentes à diversidade e diferença que forma a sociedade brasileira, tendo até um passado recente um processo de aceitação de novos associados com pouca publicidade e informação sobre seus critérios, produzindo como resultado uma associação que representa o resquício de atuações eugenistas e segregacionistas à população negra da cidade de Taubaté/SP”.

Acompanhe a íntegra do documento:


“Nota de repúdio ao Taubaté Country Club


No Dia da Consciência Negra, o Fórum de Igualdade Racial de Taubaté denuncia ato discriminatório e racista por parte do Taubaté Country Club, ao realizar o cadastramento de possíveis expositoras e expositores para a denominada “Feira de produtos naturais e economia criativa”, a ser realizada no dia 26/11/2023.

A instituição estabeleceu com pré-requisitos, em texto de sua própria autoria, as seguintes imposições: “organização. Para a manutenção de um ambiente harmônico e agradável para todos os participantes e Associados(as), informamos que não será permitido, em hipótese alguma, a utilização de bandeiras, bonés, camisetas, faixas, ou qualquer tipo de acessório que faça menção: a) partidos políticos; b) religiões diversas; c) movimentos sociais considerados representantes de minorias ou de parcela social menos favorecida; d) excesso de visibilidade para possíveis patrocinadores ou marcas que não estejam representadas no grupo de participantes expositores autorizados para o evento;”.

A cidade de Taubaté/SP enfrenta um histórico triste de discriminação e racismo, desde os tempos coloniais até a contemporaneidade, marginalizando grupos étnicos específicos, em especial afrodescendente. O Taubaté Country Club possui em sua história de existência a perpetuação de ações excludentes à diversidade e diferença que forma a sociedade brasileira, tendo até um passado recente um processo de aceitação de novos associados com pouca publicidade e informação sobre seus critérios, produzindo como resultado uma associação que representa o resquício de atuações eugenistas e segregacionistas à população negra da cidade de Taubaté/SP.

Apesar dos avanços da nossa sociedade, atitudes discriminatórias como a do Taubaté Country Club ainda persistem. A contextualização histórica do racismo presente na cidade de Taubaté só demonstra a gravidade com que violências simbólicas afetam a diversidade, desumanizam e tentam tornar invisíveis a existência da população negra que formou e forma a nossa cidade, bem como sua cultura.

Ante a responsabilidade institucional do Taubaté Country Club em construir e fomentar um ambiente plural, livre de discriminação, o Fórum de Igualdade Racial de Taubaté levará a presente questão ao Ministério Público do estado de São Paulo para apuração e busca de medidas corretivas previstas no ordenamento jurídico brasileiro.

À sociedade taubateana, o Fórum faz o apelo para a importância de todos, sem distinção, serem solidários para a construção de uma cultura justa e igualitária, onde impere o respeito à diferença e a reparação histórica devida à população negra da cidade de Taubaté/SP.

Reafirmamos nosso compromisso com a luta contra o racismo, nos solidarizamos por sócios e funcionários e expositores do Taubaté Country Club que foram vítimas desta discriminação, nos colocando à disposição para o diálogo, acolhimento, e para a elaboração de ações que prontamente corrijam e erradiquem o racismo em nossa cidade e no Taubaté Country Club.

A presente nota de repúdio é um posicionamento firme de resistir à tentativa reiterada de setores da Sociedade que busca tornar invisível e marginalizadas a história do povo negro em nossa cidade.”


Regulamento inconstitucional

A normativa imposta pelo Taubaté Country Club para que expositores possam participar do evento não encontra amparo legal.

Para Lucas Lousada, advogado e membro da Comissão de Bioética da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, ao estipular que possíveis participantes da feira não exponham símbolos, o clube comete uma “violência”.

“O regulamento apresentado pelo TCC vai contra a Constituição Federal, em especial por ela proibir qualquer tipo de Discriminação social, racial, religiosa. O Brasil protege e privilegia a inclusão social, justamente por ser um país diverso e plural desde sua formação. A proibição de símbolos se caracteriza como uma violência simbólica e moral”, explica Lousada.

A legislação brasileira tem mecanismos para garantir os direitos às minorias. 

Segundo a lei nº 14.532, promulgada em 11 de janeiro deste ano, em seu Art. 20-C. “o juiz deve considerar como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência.”  

Segundo o advogado, a legislação brasileira prevê uma série de punições com o intuito de coibir atos discriminatórios, como: multa administrativa; ação judicial para compensação de possíveis danos morais para a vítima; perda de licenças ou autorizações de operação; responsabilização criminal dos responsáveis, caso seja apurado qualquer atitude fora do que a lei manda.


TCC volta atrás

Esta reportagem procurou a assessoria de comunicação do Taubaté Country Club para saber o posicionamento da entidade a respeito do caso.

Por meio de nota o clube manifestou “profunda preocupação em relação a quaisquer formas de discriminação que possam surgir no contexto da nossa tão esperada Feira de Economia Criativa” e também afirmou acreditar “firmemente na promoção da diversidade, inclusão e respeito mútuo como valores essenciais para o fortalecimento da comunidade criativa e de todos o participantes desse evento.”

Ainda no documento, o TCC informou ter feito a revisão do regulamento do evento. Acompanhe a nota na íntegra:


“Nota de Atualização do Regulamento da Feira de Economia Criativa


Prezados(as) Expositores(as), Colaboradores(as) e Participantes da Feira de Economia Criativa, bem como toda comunidade interessada. 

Vimos por meio desta manifestar nossa profunda preocupação em relação a quaisquer formas de discriminação que possam surgir no contexto da nossa tão esperada Feira de Economia Criativa. 

Acreditamos firmemente na promoção da diversidade, inclusão e respeito mútuo como valores essenciais para o fortalecimento da comunidade criativa e de todos o participantes desse evento. 

Após solicitações fizemos uma revisão imediata do regulamento da feira, e reescrevemos possíveis lacunas relacionadas à discriminação. Queremos garantir a todos que valorizamos cada voz e estamos empenhados em criar um ambiente seguro e acolhedor para todos os participantes.

Diante disso, gostaria de informar que o regulamento da Feira de Economia Criativa foi revisado minuciosamente, levando em consideração as sugestões construtivas. Disponibilizamos no site para não haja dúvidas sobre nossa expressa preocupação com o assunto. (CLIQUE AQUI PARA VER REGULAMENTO) 

Por fim, estamos felizes em comunicar que as mudanças foram para garantir que não apoiamos qualquer forma de discriminação, seja ela relacionada a gênero, raça, orientação sexual, religião, entre outros aspectos. Aproveitamos para agradecer a todos que fizeram sugestões e críticas construtivas. Estamos sempre abertos ao diálogo e empenhados em fazer da Feira de Economia Criativa um espaço onde a criatividade floresce sem barreiras discriminatórias. 

Contamos com a compreensão e colaboração de todos para que possamos juntos construir uma feira mais inclusiva e representativa. 


Atenciosamente, Diretoria do Taubaté Country Club”


O advogado Lucas Lousada ressalta que embora uma decisão de rever o edital seja positiva, a entidade ainda pode responder judicialmente. 

“O reconhecimento do erro e a mudança do edital é o melhor dos cenários, pois mostra que a construção do respeito e da igualdade pode se dar no diálogo entre instituições da sociedade civil organizada. Caso alguma possível vítima ainda sinta que foi prejudicada ela não perde a possibilidade de procurar a apuração do caso na esfera administrativa e judicial, pois não há uma exclusão automática de possíveis responsabilidades de atos anteriormente cometidos. Mas a revisão do edital, o diálogo institucional pacífico e a adoção de medidas corretivas, bem como programas de educação antirracista, são os instrumentos fundamentais para a construção de uma sociedade em que haja justiça social”, pontuou Lousada.

Em conversa com Tamires Maia, representante do Fórum de Igualdade Racial de Taubaté, ela sinalizou que, inicialmente, o caso não deverá ser levado ao Ministério Público.

“A princípio, não enviaremos a denúncia, porém, a instituição nos convidou para uma reunião, agora vamos depender dessa conversa e das reais intenções deles para prosseguirmos ou não”, revela Maia.

De acordo com Tamires, a atitude do club de alterar o edital da feira deve vir acompanhada de outras medidas que busquem a inclusão.

“A atualização do regulamento é importante, mas queremos saber até que ponto o TCC está disposto a ser um lugar para todos ou se continuará sendo um lugar elitizado e segregacionista”, avalia.

Nós usamos cookies
Eles são usados para aprimorar a sua experiência. Ao fechar este banner ou continuar na página, você concorda com o uso de cookies. Saber mais