Cultura

Mestre Justino: Um legado imensurável

Nesta segunda-feira, 15, o artista completaria 91 anos. Sua obra foi por tempos esquecida

Marcelo Caltabiano | Data: 15/05/2023 06:33

Mais do que justo, é necessário, mais que necessário é primordial. Essa é a impressão que esse jornalista tem sobre a preservação da obra de Sebastião Justino Faria, o famoso Mestre Justino. Nascido em Redenção da Serra no ano de 1932 e criado na vizinha Taubaté, o artista plástico deixou um legado de obras de arte belíssimas e de proporções gigantescas, seja relacionado ao tamanho físico como a proporção artística. 

Os painéis pintados por Mestre Justino estampam prédios públicos em diversas cidades do estado de São Paulo, sua obra pode ser vista e admirada na Catedral de Bragança Paulista, na igreja de Redenção da Serra e em outros diversos prédios públicos e praças de Taubaté.

Uma das obras mais famosas e comentadas do artista se chama ‘Fases da História de Taubaté’, que fora foi produzida no ano de 1988, a convite do então presidente da Câmara, Wilson Fim. A obra que conta grande parte da história de Taubaté é tombada pelo patrimônio municipal assim como todas as outras obras do artista.  Hoje essa pintura é preservada, mas o prédio onde ela foi pintada, abriga a sede da DEIC, uma unidade da Policia Civil, e a magnifica obra não tem a real visibilidade que deveria ter, ficando exposta apenas para os agentes da lei que fazem academia no local. 

Sebastião Justino, morreu em Taubaté, no ano de 1994, mas o Mestre Justino ficará eternizado por suas obras, que são incontáveis, eram painéis, murais e quadros. O artista gostava de pintar como revelou o filho dele, Paulo Cezane (Nome em referência ao artista italiano Paul Cézanne).

Em seu ateliê o artista recebia muitas pessoas, amigos e admiradores de sua arte, e era comum que Justino vendesse suas obras a esses visitantes, por isso, segundo o filho de Justino é difícil mensurar quantas obras de arte Mestre Justino criou.

A obra de Justino está espalhada por todo o mundo. Quadros pintados pelo mestre estão em poder de colecionadores, de familiares e de instituições como o Museu de Taubaté, quadros esses que tem proporções gigantescas, dois dos expostos no museu, que mais chamam a atenção são os ‘Jongo’ e Moçambique. 


“São três trabalhos dele que acho incrível, primeiro, a história de Taubaté, que infelizmente está deixado lá no Deic (Antiga Câmara Municipal de Taubaté), conta a história de Taubaté e ele conta direitinho. A historiadora Maria Morgado, ficava horas contando a história de Taubaté. E os dois painéis do Museu, é o Jongo e o Moçambique “disse Paulo Cezane

O legado

“Justino deixou um legado de arte muito grande de arte, e infelizmente o Brasil, não é só Taubaté, esquece de arte, a arte é uma coisa banal, a arte é colocada como uma coisa que pode deixar de lado. Não tem reconhecimento, infelizmente.” Disse Paulo Cezane Justino, mas frisou que nos últimos anos a obra de Justino tem ganhado uma notoriedade maior perante as autoridades públicas, no quesito restauros. “Hoje graças a Deus, a partir do Dimas (Oliveira Junior), ex-secretário de Cultura, que deu esse espaço para Margarida para ir lá e conversar e iniciar o restauro.

“Primeiramente tem que preservar né, infelizmente Taubaté passou por diversas reformar, mas foram todas errôneas, infelizmente, e prejudicou muito a obra de Justino. Ainda bem que hoje temos a Margarida (Fournier), que está revitalizando, voltando o que era Justino e resgatando as imagens, as cores, porque ele foi mexido demais.” Disse Cezane

Comercial e Místico

As obras mais famosas de Mestre Justino tinham o caráter da pincelada comercial do artista, não seguia o academicismo, mas eram obras alegres pelas cores, sempre mostrando a natureza, pessoas e culturas a final de contas suas principais inspirações eram os pintores Candido Portinari e Diego Rivera.

Ele tinha uma visão própria do mundo. Paulo Cezane, filho do mestre contou um episódio de Justino que serviria para entender esse conceito “ele gostava muito de Ubatuba, as vezes ele dizia ‘hoje vou pintar lá perto do porto (Ubatuba)’ colocava o cavaletezinho dele e começava a pintar, aí o pessoal vinha, olhava para o quadro, olhava para o lá, ele olhando para onde estava pintando e o pessoal não entendia, ‘ué ele está vendo um negócio, mas está pintado outro’” 

“Ele via as coisas como se fosse uma mente fotográfica, mas ele nunca pintava aquilo. Ele pintava o que ele sentia, é uma parte impar do artista, transferia o coração. “, explicou Cezane

Justino gostava de pintar o cotidiano, pintar a história, odiava natureza morta. Porem certa vez Paulo, filho do pintor, disse que ao visitar uma imobiliária, viu uma obra de natureza morta, com características de Justino e assinada pelo artista. O filho, a princípio, duvidou da legitimidade da obra, mas ao conversar com o dono da pintura, descobriu que de fato era uma obra do pai, segundo o homem que tem um exemplar único de Justino a esposa havia ajoelhado pedindo ao mestre pintasse o estilo que tanto detestava, ela convenceu o artista.

Algumas obras de Mestre Justino são ‘místicas’ como classificou a fase artística do pintor que deixou um grande legado de arte. Em certa fase da vida, por duas vezes, Mestre Justino perdeu a visão. Os motivos vão desde diabetes a químicas usadas nas tintas antigamente. Nessa fase da vida, o artista pintou o que sentia, e mesmo sem ver as pinturas eram impressionantes. 

“Uma época que ele fez uns abstratos, assim, bem sinistras, as pessoas olhavam e viam demônios, que foi o período que ele perdeu a visão. Ele não tinha a real visão que ele fazendo, mas ele tinha aquele sentimento muito forte de inquietude. Um artista visual perder a visão.”, explicou Margarida Fournier, especialista em Justino e restauradora de suas obras.

A obra Apocalipse, que foi criada em 1992, é um grande exemplo dessa fase, na tela que tem 80x60 é possível ver vários demônios, a final como disse Margarida no parágrafo anterior, deve ser um sentimento péssimo, “um artista visual perder a visão”


Apocalipse - Mestre Justino - 1988

É uma linha que ele não deixava acessível ao público de jeito nenhum, explicou Margarida 

Renegado

Justino ainda lecionou por um tempo na Escola Maestro Fego Camargo, porém sua atividade foi interrompida por não ter diplomas. A artista plástica Margarida Fournier, conhecedora da vida e obra de Justino revelou sua percepção sobre o legado de Justino.

 “Eu sinto que como ser humano ele doou muito mais do que ele recebeu. Teve um momento que ele foi professor da Fego Camargo, e por conta do sistema que a gente vive ele não podia mais ser professor, porque ele não era diplomado, mas ele era detentor do mais notório saber. Ele era um autodidata.” Disse a artista, que também é professora de arte no Centro Cultural Toninho Mendes. 

A época em que o Mestre Justino foi impedido de dar aulas para a escola Maestro Fego Camargo, a prefeitura rebaixou sua classificação de nível de funcionário para 14, à época a mais baixa. No que o artista, em um evento ao vivo para artistas, pintou o quadro então pintou um e em determinado local havia uma referência ao 14, como um protesto ao seu rebaixamento na esfera administrativa.

“Naquele momento, acredito, que ele mostrou o ápice da arte dele, porque a arte grita sem palavras, então naquele momento, ele mostrou o que tinha dentro dele, a tristeza dele, a essência dele” disse Margarida sobre a pintura feita por Justino.

“Ele simplesmente manifestou sua tristeza, sua indignação, num movimento artístico, num protesto artístico silencioso.” Disse Margarida Fournier, responsável pelo restauro e idealizadora do espaço de exposição Mestre Justino.

Memória

Nesta segunda-feira, 15 de maio, Mestre Justino completaria 91 anos, e para comemorar a data, Taubaté e Redenção da Serra terão atividades especiais. Em Redenção da Serra, terra natal do artista, uma iniciativa do Instituto Cultural Santa Cruz do Paiolinho, conjuntamente com a Secretaria de Cultura da cidade na ocasião a cidade terá atividades abertas na segunda, às 10h, com homenagem póstuma no túmulo do artista, no cemitério municipal da cidade, quando serão colocadas flores por alunos das escolas locais

A programação continua durante toda a semana, até sexta-feira, 19, com visitas monitoradas de alunos da Escola Municipal Professora Edna Regina de Oliveira e Silva e da Escola Estadual Coronel Queiróz à Capela do Cruzeiro, local onde Mestre Justino pintou o painel “Vida, Dádiva de Deus”, retratando a trajetória do homem desde a criação do mundo até o apocalipse.

Em Taubaté uma mostra artística está aberta ao público, na Galeria de Arte Sebastião Justino, no Centro Cultural, até o dia 23 de maio, das 9h às 17h. A mostra é composta por novos painéis pintados pelo artista durante o processo de embelezamento da cidade de Taubaté, no início dos anos 90. As obras que são releituras das ilustrações de Manuel Victor Filho para os livros de Lobato, são pintadas em madeirite e foram revitalizadas para compor o acervo do Museu Histórico Monteiro Lobato. Mestre Justino retratou em sua arte as tradições culturais e os costumes do povo do Vale do Paraíba. Suas obras reproduziam constantemente as manifestações culturais do povo, como festas religiosas, romarias, exaltava a figura do tropeiro e do homem do campo.


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