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“Pepe” Mujica: o guerreiro da sobriedade e da democracia

Mais do que ex-presidente, Pepe Mujica foi símbolo vivo de uma política pautada pela coerência, sobriedade e respeito à diferença.

Felipe Mazzuia | Data: 15/05/2025 15:23

José Alberto Mujica Cordano, o “Pepe” Mujica, é uma das figuras mais emblemáticas da política latino-americana recente. Ex-presidente do Uruguai, sua trajetória reúne elementos de militância armada, prisão, tortura, reconstrução institucional e inovação em políticas públicas.

Mujica foi militante do Movimiento de Liberación Nacional – Tupamaros, grupo guerrilheiro que atuou em oposição à repressão estatal. Preso político durante a ditadura uruguaia, permaneceu privado de liberdade por mais de 13 anos — sendo 9 deles em regime de confinamento extremo, em uma solitária. Nesse período, Mujica não recebia alimentação adequada, o colchão não era fornecido com regularidade, e a água, nem sempre disponível. Sem acesso ao banheiro, relatou que, por diversas vezes, bebeu a própria urina para manter-se minimamente hidratado. Muito tempo depois, lhe foi entregue um penico — que ele, na véspera de ser libertado, plantou flores e carregou consigo ao deixar o cárcere. Era um florista desde a juventude.

Ao recuperar a liberdade, com a consolidação da coalizão de esquerda Frente Ampla (Frente Amplio), por meio do Movimiento de Participación Popular (MPP), de viés mais progressista, Mujica foi eleito deputado, depois senador e, entre 2005 e 2008, exerceu o cargo de Ministro da Pecuária, Agricultura e Pesca. Em 2009, foi eleito presidente da República.

Mujica jamais abandonou o estilo de vida simples. Mesmo na presidência, morou na mesma casa, ou melhor, sítio nos arredores da capital Montevidéu, tinha o mesmo Fusca azul, não usava  gravatas, e doava boa parte do salário. Ousaria chamá-lo de franciscano da política — ousaria, mas não o faço em respeito a Pepe, que era ateu.

Frasista como poucos, ao ser questionado sobre seu modo de vida, respondia: “Eu não sou pobre, eu sou sóbrio, de bagagem leve. Vivo com apenas o suficiente para que as coisas não roubem minha liberdade.”

Particularmente, gosto de muitas de suas frases, que mais me parecem grandes ensinamentos — talvez porque de fato o sejam. Mas, diante do atual momento político brasileiro e mundial, uma delas se destaca: “É fácil ter respeito por aqueles que pensam de forma parecida com a nossa, mas é preciso aprender que o fundamento da democracia é o respeito por quem pensa diferente.”

Durante seu mandato presidencial (2010–2015), Mujica promoveu um conjunto de reformas progressistas que marcaram o cenário político latino-americano. Entre os marcos legislativos de seu governo, estão, a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo; a regulamentação do aborto sob determinadas condições e a legalização e regulação estatal da produção e venda da cannabis — tornando o Uruguai o primeiro país do mundo a adotar tal modelo.

Quando questionado sobre a legalização do casamento igualitário, respondeu com mais uma de suas frases de conteúdo denso: “É uma realidade objetiva, existe, e não legalizar seria torturar as pessoas desnecessariamente.”

Essas medidas foram adotadas em um ambiente democrático e institucionalmente estável, consolidando o Uruguai como referência em direitos civis e políticas públicas humanistas na América do Sul.

O estilo de Mujica contribuiu para sua projeção internacional como símbolo de uma política ética, austera e voltada ao bem comum. Sua figura é relevante não apenas pelas políticas que implementou, mas também pelo simbolismo que carrega: o de uma liderança enraizada em princípios éticos, com forte capacidade de interlocução com setores diversos da sociedade civil e com profundo compromisso com a democracia e os direitos humanos.

Mujica era contrário à ideia do “político mito”. Defendia que um político deve se comportar de forma normal e que o melhor seria que o povo escolhesse pessoas normais para ocupar a política.

Desde o anúncio de sua morte, as redes sociais se encheram de citações do ex-presidente uruguaio até mesmo por parte de quem se identifica com a direita. Isso mostra o tamanho do mito.

Ops, mito não. Guerreiro. E todo guerreiro tem direito ao seu descanso.

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