Irã e Venezuela, barrados no baile?
Competições internacionais estão cada vez mais expostas à politica internacional
Não, não mudei o tema da coluna para futebol. Continuamos a falar de política internacional. O esporte, e mais precisamente o futebol, sempre foi, é e continuará a ser utilizado por governos autocráticos para melhorar a imagem de seus países. No mundo globalizado de hoje, existem inúmeros exemplos disso, como o da Arábia Saudita, que é dona do time inglês Newcastle. Isso mesmo, um país possui um clube de futebol.
Este mesmo mundo globalizado é marcado por milênios de conflitos. Alguns desses conflitos se transformaram em rivalidades esportivas, como Alemanha x Inglaterra, Inglaterra x Argentina e França x Inglaterra. Nesses casos, a rivalidade ainda é aceita e contribui para o espetáculo.
Porém, há situações em que as organizações desportivas são obrigadas a “mudar o país de continente”, como ocorre com Israel. Apesar de ser um país asiático, suas seleções e clubes disputam competições europeias, basicamente para evitar confrontos diretos com nações árabes.
O jogador de futebol Henrikh Mkhitaryan, de origem armênia, não disputou uma final de copa europeia pelo Arsenal, seu time na época, pois a partida seria realizada no Azerbaijão, país com o qual a Armênia mantém forte tensão desde o fim da União Soviética.
Essa relação entre esporte e política não é nova e tampouco se restringe ao futebol. Durante os Jogos Olímpicos do México em 1968, os velocistas norte-americanos Tommie Smith e John Carlos fizeram um protesto icônico contra o racismo ao erguer os punhos cerrados no pódio, um gesto que lhes custou a expulsão dos Jogos. Décadas antes, em 1936, Adolf Hitler tentou usar as Olimpíadas de Berlim como vitrine para a propaganda nazista, mas viu seus planos frustrados pelo atleta afro-americano Jesse Owens, que conquistou quatro medalhas de ouro e desafiou a narrativa da superioridade ariana.
Agora, estamos à iminência de mais um caso conflituoso. O governo Trump está muito perto de suspender a entrada nos Estados Unidos de cidadãos de 11 países: Afeganistão, Butão, Cuba, Irã, Líbia, Coreia do Norte, Somália, Sudão, Síria, Venezuela e Iêmen.
Os cidadãos desses países não poderão viajar aos Estados Unidos de forma alguma. Além disso, há a possibilidade de cancelamento de vistos e até de green cards.
Pois bem, no ano que vem, teremos a Copa do Mundo de futebol masculino, que será disputada em três países: México, Canadá e EUA. Dos 11 países da lista de cidadãos impedidos de entrar, o Irã já está classificado para o mundial, e a Venezuela briga fortemente para disputar o torneio pela primeira vez em sua história.
Se os planos do governo Trump forem levados a cabo, teremos uma crise diplomático-esportiva relevante, que envolverá não apenas os países-sede da Copa, mas também a FIFA, as confederações representantes dos países barrados, as federações de cada nação, os respectivos governos e até aliados estratégicos. No caso de Venezuela e Irã, a Rússia pode se envolver – e vale lembrar que o país já está banido da Copa do Mundo e das Olimpíadas devido à guerra com a Ucrânia.
Essa situação remete a momentos históricos em que o esporte foi usado tanto como palco de protesto quanto como ferramenta política. Os boicotes às Olimpíadas de Moscou em 1980 e de Los Angeles em 1984 mostraram como governos utilizam competições esportivas para pressionar adversários em tempos de conflito. O exemplo da África do Sul, banida dos esportes internacionais durante o apartheid, reforça como eventos esportivos podem ser palco de disputas políticas globais.
A Copa do Mundo, um evento que deveria simbolizar a união dos povos em torno do futebol, nem começou, mas já vislumbra problemas no horizonte.